mitologia1200 palavras

Os estábulos de Augias

πέμπτον ἐπέταξεν αὐτῶι ἆθλον τῶν Αὐγείου βοσκημάτων ἐν ἡμέραι μιᾶι μόνον ἐκφορῆσαι τὴν ὄνθον.

Para o quinto trabalho, 〈Euristeu〉 mandou-o retirar o esterco do rebanho de Augias em um só dia.

O quinto dos 12 trabalhos empreendidos por Héracles, a mando de Euristeu, foi limpar a espantosa sujeira dos estábulos de Augias, rei da Élida.

Sumário

O poeta da Ilíada já conhecia Augias (gr. Αὐγείας) e seus desonestos métodos de fazer negócios; em pelo menos uma ocasião sua atitude levou a um conflito armado entre os homens de Pilos e de Élis, em desfavor de Augias. Ele também recordou que Fileu, filho de Augias, emigrou devido a uma briga com o pai.

Segundo Hecateu, Héracles lutou contra Augias e o destruiu. Píndaro contou que Augias era um “trapaceiro” (gr. ξεναπάτης) e que existiu um conflito entre ele e Héracles, a quem o rei recusou o “pagamento” (gr. μισθός) de um serviço não especificado, e acrescentou que Héracles reuniu um exército em Tirinto e atacou Élis, mas ele e seus homens foram derrotados graças a Ctéato e Êurito, os moliônidas, aguerridos aliados de Augias[1]. Posteriormente, Héracles emboscou os moliônidas em Cleonas, matou-os e reuniu outro exército, vencendo desta vez os eleanos; incendiou Élis, liquidou Augias e também instituiu os jogos olímpicos, dedicados a seu pai, Zeus, honrando também as águas do Rio Alfeu em um dos altares[2].

miniatura Héracles e Atena em
Olímpia, -470/-457

Embora Homero, Píndaro e Ferécides (que repete algumas informações de Píndaro) destaquem vários elementos do mito, não mencionam explicitamente a tarefa executada por Héracles. Mais ou menos na mesma época do epinício de Píndaro, uma das métopas do templo de Zeus em Olímpia (ao lado) mostra o herói fazendo algo com uma pá (?), incentivado por Atena, mas a natureza da tarefa não está clara[3]. [Teócrito] fala das incontáveis cabeças de gado de chifre que Augias possuía e do bom relacionamento entre Héracles e Fileu, um dos filhos do rei, qualificado de “sábio”. Alguns nos antes, Calímaco informou que, após a vitória, Héracles deixou Élis para Fileu governar.

Os elementos centrais da história só foram registrados dois séculos mais tarde por Diodoro Sículo: Euristeu encarregou Héracles de limpar, sozinho, a indescritível quantidade de estrume acumulada nos estábulos, tarefa verdadeiramente insultante[4]. Mas o herói não efetuou o trabalho manualmente, de forma servil: desviou a correnteza do rio Alfeu e as águas, passando, levaram toda a sujeira acumulada. Héracles havia combinado, antes, um pagamento, mas Augias não cumpriu o combinado e expulsou Héracles e Fileu da Élida, pois seu filho havia ficado do lado do herói durante o desentendimento.

Segundo [Apolodoro], Héracles teria pedido, em pagamento, um décimo do gado e, além do Alfeu, também desviou o rio Pneu; Augias recusou o pagamento quando soube que Héracles o procurou sob as ordens de Euristeu.

Detalhes adicionais, de importância marginal: Augias era filho de Hélio e foi um dos argonautas (Apolônio de Rodes); Augias tinha rebanhos de vacas e cabras (Pausânias); os moliônidas eram sobrinhos de Augias (Pausânias); Héracles estava doente durante a expedição em que foi derrotado ([Apolodoro]); os epeus fizeram parte do segundo exército de Héracles (Hecateu); o herói preparou a segunda e vitoriosa expedição quando retornou de Troia (Diodoro Sìculo).

Literárias: Ilíada 11.670–761; Íbico F 285; Píndaro, Olímpicas 10.24-59; Hecateu F *25; Ferécides F 79a-b; Calímaco, Aetia F 77; [Teócrito], Idílios 25.7-152; Diodoro Sículo 4.13.3–4 e 4.33.1–4; [Apolodoro] 2.5.5 e 2.7.2; Pausânias 5.10.9, 5.1.11, 8.14.9, 5.2.1–2 e 3.18.15; Quinto de Esmirna 6.232–6. Iconográficas: 12ª métopa do templo de Zeus em Olímpia.

Variantes

Pausânias (5.1.9) afirma que Héracles recorreu ao rio Mênio para limpar os estábulos e Higino (Fábulas 30.7), que ele recebeu a ajuda de Zeus.

Eliano (Histórias diversas, 1.24) conta que um tal Lepreu aconselhou Augias a amarrar Héracles quando ele pediu uma recompensa pelo seu trabalho.

Pausânias (8.14.9; 5.3.1) disse que Íficles, irmão de Héracles, foi ferido na primeira expedição e morreu; e que Héracles não matou Augias após a segunda expedição.

Segundo [Apolodoro], o herói teve um filho com Epicasta, filha do rei.

Influências e recepção

Esta tarefa, a menos glamurosa dentre as efetuadas pelo herói, não envolveu perigo direto e nem um combate contra monstros poderosos ou personagens fantásticos. Desconsiderada a enormidade da tarefa, Héracles basicamente realizou um serviço de limpeza.

Os elementos da história despontam no final do Período Arcaico, certamente a partir de um antigo mito da região de Eleia: a inaudita derrota do herói frente aos moliônidas parece uma questão de orgulho local. Segundo Mitchell[5] a solidificação da narrativa como um dos 12 trabalhos de Héracles se deu por influência das métopas de Olímpia, criadas entre -470 e -456.

miniaturaUm Hércules moderno...

A natureza pouco heroica desse quinto trabalho aparentemente não estimulou a imaginação dos artistas arcaicos e clássicos. Uma estátua de Lisipo que representa Héracles sentado e desalentado, no entanto, talvez tenha alguma relação com a façanha[6], e um relevo romano do século III, encontrado na Villa de Chiragan, pode ter sido influenciado por essa estátua.

Durante o Período greco-romano, alguns poucos relevos, mosaicos e moedas foram influenciados por temas ligados à hercúlea limpeza do estrume acumulado nas terras de Augias, notadamente a liberação e direcionamento das águas do Alfeu. Essas imagens com frequência estão acompanhadas de representações dos demais trabalhos.

Em nossos dias também há poucas referências. Menciono Francisco de Zurbarán (1634, óleo sobre tela); Honoré Daumier (1842, cartum); Sully Prudhomme (1872, poesia); Agatha Christie (1940, conto policial); Friedrich Dürrenmatt (1954, peça radiofônica adaptada para o teatro em 1962); Ossip Zadkine (1960, litografia).

De acordo com Mitchell[7], “este trabalho se tornou uma metáfora para uma tarefa enorme e desagradável que deve ser realizada”; exemplos típicos envolvem a remoção da sujeira representada por corrupção, desgoverno e outras mazelas. Em verbetes de alguns dicionários (e.g. Merriam-Webster, Cambridge) a expressão “estábulos de Augias” caracteriza condições ou lugares marcados por sujeira ou corrupção difíceis de resolver; numerosos cartuns humorísticos com esse tema são conhecidos desde o século XIX.

Bibliografia

Gibbons 1975, 209-24; Woodford 1990; Gantz 1993, 392-3; Stafford 2012, 36-7; Fowler 2013, 279-84; Mitchell 2021.