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Caos e a origem do Universo

ἤτοι μὲν πρώτιστα Χάος γένετ'

Bem, primeiro nasceu Caos

Hesíodo conta que, no princípio, tudo o que existia era Caos.

Os gregos conheciam diversas lendas sobre a origem do Universo, mas praticamente todos os tratados de mitologia grega seguem a versão poética de Hesíodo, adotada aqui.

Caos

Luz, escuridão, ar, terra, água... no princípio, não havia nada disso. Caos (gr. Χάος), a mais antiga das entidades cósmicas, provavelmente reunia em si mesmo tudo o que viria posteriormente a existir.

Caos era algo amorfo e indefinido que preenchia toda a existência, capaz de sentir o calor dos raios de Zeus. Depois da criação, ocupou um espaço definido no Tártaro, bem abaixo dos fundamentos de Gaia. E nada mais fez, talvez porque sua capacidade geradora tenha se distribuído entre as entidades que vieram depois.

miniaturaVersão “astronômica”
de Caos

As conotações negativas de espaço vazio, de abismo ou de desordem, comumente associadas a Caos, são construções de filósofos, teólogos e autores posteriores, e.g. Aristóteles (Física 208b.27-33).

Entidade de função puramente genealógica, sem outras participações nos mitos, Caos não foi tema da arte grega e nem objeto de culto.

A questão de uma “substância fundamental” que teria originado tudo o que existe exerceu grande apelo nos filósofos pré-socráticos, particularmente nos milesianos.

Hesíodo, Teogonia 116-23, 700, 814; LSJ s.v.: τὸ Χάος; Rapsódias órficas F 104 e 109.

Caos é ocasionalmente mencionado por filósofos e poetas. Em 1667, por exemplo, o poeta John Milton retratou Caos como entidade e lugar (Paraíso Perdido, 3.11-8).

Variantes

Nos poemas órficos (e.g. Teogonias F 54, Teogonia rapsódica F 111), Crono, o tempo[1], era o pai de Éter, Caos e Érebo.

Na teogonia órfica conservada por Aristófanes (Aves 693-702), Caos coexistia, no princípio, com Nix, Érebo e Tártaro, e posteriormente se uniu a Nix.

Estrutura física do Universo

caos

Não se sabe quanto tempo Caos existiu sozinho, mas em determinado momento apareceram outras divindades: Gaia, Tártaro, Eros, Érebo e Nix. De Gaia, vieram Urano e Ponto; e de Érebo e Nix, Éter e Hemera.

Gaia personifica a terra e sua enorme capacidade geradora; Eros, a atração amorosa; Érebo, Tártaro e Nix representam todas as nuances das sombras e da escuridão temida pelos mortais. Urano é o céu; Ponto, as águas primevas; Éter e Hemera, dois aspectos da luminosidade.

A rigor, não há relação formal de descendência entre Caos e os personagens que vieram logo depois dele. Hesíodo não detalha o processo através do qual essas cinco entidades começaram a existir, talvez porque não soubesse.

Quase todas as entidades primordiais surgiram, aparentemente, a partir de simples desdobramentos ou subdivisões de Caos e de Gaia, sem a ajuda de qualquer união sexual. Somente Érebo e Nix geraram descendentes ‘unidos em amor’ (Hesíodo, Teogonia 125).

Caos tem gênero indeterminado; a Gaia e a Nix podemos associar características geradoras do gênero feminino; a Eros, Tártaro, Érebo, Urano e Ponto, do gênero masculino.

Em conjunto, essas divindades ou forças primitivas estruturam miticamente a nossa realidade.

Deuses, monstros e heróis

As divindades que participam dos mitos gregos, os heróis, os seres humanos e os monstros que ameaçaram uns e outros em diferentes épocas, todos descendem de duas antigas linhagens, encabeçadas por

  1. Gaia, personificação da terra e de sua inesgotável capacidade geradora;
  2. Nix, representante da ameaçadora e perigosa escuridão.

Tártaro e Eros, por outro lado, praticamente não deixaram descendentes.

Outras cosmogonias

Homero considerava o titã Oceano, descendente de Gaia, a real origem dos outros deuses (Ilíada 14.200 e 246). Álcman (F 5) desenvolveu uma teogonia própria, com divindades pouco conhecidas, mas algumas eram as mesmas de Hesíodo.

As doutrinas órficas, a julgar por testemunhos tardios (Damácio, Princípios 124; Aristófanes, Aves 693-703), mencionavam Nix como o princípio de todas as coisas. Há diversas variantes das teogonias órficas.

Ferécides de Atenas (sæc. -VI) sustentava que Zeus, Crono e Gaia, na versão hesiódica, sempre existiram e, consequentemente, não teria ocorrido propriamente uma “criação” (Diógenes Laércio 1.119).

Poemas e textos perdidos, como a Titanomaquia e os poemas cíclicos, a Teogonia de Epimênides de Creta e as obras de Acusilau provavelmente continham outras versões da origem do Universo.

De qualquer modo, para os gregos todas as forças que haviam atuado no momento da criação eram, em qualquer uma das versões, essencialmente divinas e muito, muito poderosas.