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Ésquilo / Fragmentos trágicos

FragmentaAesch. F

A maior parte das tragédias de Ésquilo sobreviveu apenas através de fragmentos e de curtos comentários de outros autores.

Conhecemos cerca de 60 tragédias fragmentárias, algumas somente pelo título; a imensa maioria tem data incerta e pode ter sido representada em qualquer época da carreira da Ésquilo (entre -472 e -456).

Segue uma seleção dos dramas mais importantes.

Os edonianos

Ἠδωνοί (F 57-67) é a primeira tragédia da Licurgia (Λυκουργεία), tetralogia que inclui as tragédias Bassaridas, Os Jovens e o drama satírico Licurgo.

O tema é similar a Bacantes, de Eurípides: Dioniso chega a uma região, alguém tenta resistir ao seu poder e é punido. Nesta tragédia Licurgo, rei dos edonianos, enlouquece, ou fica cego, ou mata inadvertidamente seu filho Drias, ou é morto. Lissa, a loucura, pode ter sido um dos personagens.

miniaturaA loucura de Licurgo

Aparentemente a tragédia influenciou decoradores de dois vasos apulianos de figuras vermelhas (Ruvo 36955; Londres 1849,0623.48, ao lado) e inspirou a tragédia Licurgo do poeta romano Névio (c. -270/-201).

Egípcios e Danaides

Primeira e terceira tragédia da tetralogia das danaides, que venceu um concurso entre -470/ e -459: Egípcios (Αἰγύπτιοι, F 5), Suplicantes, Danaides (Δαναΐδες, F 43-6) e o drama satírico Amímone.

A reconstrução das tragédias é problemática. Sommerstein (2010, p. 101-7) imagina, com base no mito e nos fragmentos, que em Egípcios foram dramatizadas a não aceitação do casamento entre egiptíades e danaides e a fuga das danaides e, em Danaides, ocorre o fatídico casamento entre as filhas de Dânao e os filhos de Egito, após uma luta na qual Pelasgo, rei de Argos, foi morto. Depois do assassinato dos maridos pelas esposas, possivelmente Dânao morre às mãos de Linceu, marido de Hipermnestra, e os dois assumem o trono de Argos.

Frínico criou tragédias intituladas Egípcios e Danaides; Antífanes e Timocles, comédias; e há uma comédia de Calias intitulada Egípcio. Com o título Danaides, há comédias de Aristófanes e Dífilo, e uma canção ou ditirambo de Melanípides.

Fineu

Φινεύς (F 258-60) foi produzido em -472, juntamente com Persas, Glauco de Potnias e o drama satírico Prometeu.

miniaturaAs harpias e Fineu

Fineu, rei e adivinho cego da Trácia, era perseguido pelas harpias, que o impediam de comer arrancando-lhe a comida das mãos e da própria boca, entre outras coisas. No mito e na tragédia de Ésquilo ele foi salvo pelos filhos de Bóreas e pelos argonautas, que o teriam livrado das harpias em troca de informações.

Sófocles compôs dois dramas com esse título e Teopompo, uma comédia. O Pintor de Amico pode ter se inspirado na tragédia para decorar um vaso lucaniano de figuras vermelhas (Ruvo 1095, c. -400).

Glauco de Potnias

Γλαῦκος Ποτνιεύς (F 36-42a) foi produzido em -472, juntamente com Fineu, Persas e o drama satírico Prometeu.

Potnias é uma pólis próxima de Tebas. Esse Glauco, filho de Sísifo, alimentava suas éguas com carne humana e não permitia que acasalassem, a fim de aumentar sua velocidade e competitividade. Ele decidiu competir nos jogos fúnebres de Pélias, a despeito de premonitório e ominoso sonho da esposa. Na competição, Afrodite decidiu punir Glauco e enlouqueceu as éguas, que provocaram um acidente, arrastaram e devoraram o próprio dono.

De certa forma, o enredo se assemelha ao do Hipólito de Eurípides e apresenta alguns temas desenvolvidos no Persas.

Laio e Édipo

Λάϊος (POxy 2256, F 1; F 121-122a; 387a?) e Οἰδίπους são, respectivamente, a primeira e a segunda tragédia da tetralogia que venceu concurso de -467 e continha o Sete contra Tebas e o drama satírico Esfinge.

Praticamente nada sabemos sobre o enredo das duas tragédias, e do Édipo não há fragmentos. A partir do mito conhecido, imagino que o núcleo do Laio deve ser o assassinato de Laio e que Édipo trazia a versão esquiliana de acontecimentos mencionados no Édipo Rei de Sófocles, tais como o enigma da esfinge, a ascenção e a queda de Édipo.

Com o título Laio há uma tragédia de Licofron e uma comédia de Platão Cômico; com o título Édipotragédias gregas de Sófocles (Édipo Rei e Édipo em Colono), Eurípides, Aqueu, Filocles I e II, Xenocles I, Nicômaco I, Carcino e Teodectas, e romanas de Júlio César e Sêneca; há, ainda, uma comédia grega de Êubulo.

Mirmidões

miniaturaAquiles velado, c. -470

Μυρμιδόνες (F 131-42) é a primeira tragédia da tetralogia que tinha também as tragédias Nereidas e Frígios, e talvez o drama satírico Construtores de tálamos. Os quatro dramas são conhecidos só por fragmentos.

A cena se passa no interior da tenda de Aquiles, que se mantém velado e em prolongado silêncio após a perda de Briseis. Recusa-se a lutar, a despeito das admoestações de Fênix (cf. Ilíada 8.1-18.342), mas Pátroclo, que Ésquilo retrata como amante de Aquiles, convence-o a emprestar-lhe a armadura. Pátroclo morre em ação e, quando o corpo é levado para a tenda, Aquiles lamenta a perda e desespera-se, pois não pode vingar o amigo sem a armadura.

Numerosos vasos que representam Odisseu e Aquiles velado (sinal de tristeza) tem sido associados à tragédia; o mais antigo deles data de -490/-480. Tragédia de mesmo título foi criada pelo poeta romano Ácio; e comédias, por Estratis e Filemon.

Níobe

A tragédia Νιόβη (F **441a-451), baseada naturalmente no mito de Níobe, começa após a morte de todos os nióbidas; provavelmente Anfíon, marido de Níobe, também estava morto.

Níobe, velada e sentada ao lado do túmulo dos filhos, permanece em silêncio durante muito tempo, provavelmente durante um longo canto coral. Tântalo, pai de Níobe, vem a Tebas para levar a filha de volta à Lídia, tenta consolar a filha e procura entender as causas de tamanho desastre. Provavelmente a peça termina com um longo lamento.

Platão (República 379e-380c) cita a Níobe (F 154a.15-6) e defende que a culpa de certos eventos ominosos não cabe diretamente os deuses. Aristófanes critica o longo silêncio de Níobe em Rãs 911-20.

Para outras tragédias de mesmo título, ver o verbete sobre o mito.

Prometeu libertado

Προμεθεύς λυόμενος (F 190-204), tragédia representada logo depois do Prometeu Acorrentado, tem data muito discutida.

O coro era provavelmente formado pelos Titãs e Héracles era um dos personagens. Prometeu, acorrentado por ordem de Zeus, é torturado seguidamente pela águia de Zeus, que lhe devora o fígado à medida que ele cresce novamente. Héracles chega, Prometeu explica o caminho para o jardim das Hespérides e é libertado pelo herói, que acerta a águia com uma flecha.

Em -429, Cratino parodiou o drama esquiliano na comédia Deuses da riqueza.

Sêmele ou Aguadeiras

É provável que Σεμέλη ἢ Ὑδροφόροι (F 221-4) tenha acompanhado outros dramas sobre o nascimento de Dioniso em Tebas (Cardadoras e Penteu, tragédias; As amas de Dioniso, drama satírico), mas não há certeza.

miniaturaA morte de Sêmele, Berkeley 8-3316

O coro era constituído de mulheres que levavam água para algum banho ritual. Além de Sêmele, a deusa Hera aparece em cena e, possivelmente, Cadmo ou uma das irmãs de Sêmele. O enredo básico segue o mito do nascimento do deus Dioniso em Tebas: Sêmele, grávida de Zeus, é convencida por Hera a pedir ao divino amante que a visite em sua forma original. O deus atende seu desejo e Sêmele morre fulminada, mas Zeus salva seu filho prematuro.

A tragédia inspirou uma hídria ática de figuras vermelhas do Pintor de Sêmele (Berkeley 8-3316, c. -400), tragédias de Diógenes de Atenas, Carcino II, Espíntaro e Sófocles, uma comédia de Êubulo e um poema de Timóteo.

Edições e traduções

Edição padrão dos fragmentos: Stefan Radt (TrGF 3, 1985). Os excertos mais significativos podem ser encontrados também no volume 3 da edição de Alan Sommerstein (2008), com menos comentários textuais e mais análises literárias do que na edição de Radt.

Os fragmentos da Sêmele já foram traduzidos por mim (Ribeiro Jr." 2013). Não há tradução sistemática dos outros fragmentos para o português.