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Eurípides / O Ciclope

Κύκλωψ Cyclops E. Cyc. -455 / -406
Odisseu, ciclope e sátirosOdisseu, ciclope e sátiros

O único drama satírico de Eurípides que chegou integralmente até nós; dos demais, temos apenas alguns fragmentos.

A data da primeira apresentação de Ciclope (gr. Κύκλωψ) ainda não foi determinada com segurança, embora algumas evidências apontem para os últimos anos da carreira de Eurípides. Seaford (1982) precisou a data, -408, mas ela não é aceita por todos os eruditos.

Hipótese

O drama satírico se baseia no episódio da Odisseia que descreve o encontro entre Polifemo, filho de Posídon, e Odisseu, rei de Ítaca, após a queda de Troia (vv. 9.106-555).

Argumento. Odisseu e seus companheiros chegam à ilha de Polifemo e encontram Sileno e o coro de sátiros, escravizados pelo ciclope. O ogro acusa injustamente os gregos de tentar roubar seu carneiros, prende-os na caverna e devora dois deles. O astuto Odisseu consegue embebedar o monstro, cegá-lo, fugir da gruta e escapar juntamente com os companheiros, Sileno e os sátiros.

Dramatis personae

Figurantes: atendentes / escravos de Polifemo e companheiros de Odisseu.

Mise en scène

A cena se passa diante da entrada da caverna de Polifemo, perto do Monte Etna. O protagonista representou o papel de Odisseu; o deuteragonista, o do Ciclope e o tritagonista, o de Sileno. Como há apenas três personagens além do Coro, cada ator cuidou apenas de um papel.

Resumo

O drama tem 709 versos, que ocupam 42 páginas da edição de Kovacs (2001), na qual se baseou este resumo.

O prólogo, o párodo, os dois primeiros episódios e estásimos, embora curtos, são semelhantes aos da tragédia; do v. 519 em diante há uma sucessão de cenas tênuamente separadas por curtos intervalos corais.

Prólogo (1-40): Sileno relembra os serviços prestados a Dioniso e conta que, ao procurar os piratas que haviam levado o deus, ele e seus filhos, os sátiros, naufragaram e foram escravizados pelo ciclope Polifemo. Sileno cuida da caverna e os sátiros, do rebanho de ovelhas. Párodo (41-81): O coro de sátiros entra, dançando e conduzindo as ovelhas à caverna, e lamenta a ausência de Dioniso.

1º Episódio (82-355). Na primeira parte (82-202), Sileno avista um navio e recebe os homens que se aproximam, liderados por Odisseu, que procura se informar sobre os habitantes da ilha e sua hospitalidade. Sileno conta ao desolado Odisseu que todos os visitantes humanos foram devorados pelos ciclopes, que nada têm de civilizados. Mas, para deleite de Sileno, ele oferece vinho em troca de alguns víveres, e enquanto o velho vai buscar ovelhas e queijo na caverna, os sátiros perguntam sobre a conquista de Troia (e de Helena).

A segunda parte (203-355) começa com a chegada de Polifemo, que interroga Sileno a respeito do rebanho, de sua refeição e dos homens desconhecidos que estão devorando seu queijo e segurando algumas ovelhas diante da caverna. Sileno, acovardado, responde que eles o obrigaram a lhes dar essas coisas e o ciclope replica que vai devorar os visitantes. Odisseu intervém e revela a mentira de Sileno, confirmada pelo Coro. Polifemo interroga o viajante, que conta ter participado da conquista de Troia, e pede hospitalidade, de acordo com leis humanas e divinas. Polifemo afirma, no entanto, que segue apenas suas próprias leis e que vai devorar os visitantes de qualquer modo, empurrando-os para a caverna. 1º Estásimo (356-74): o Coro implora que o Ciclope coma os ‘convidados’ sem obrigá-los a participar.

2º Episódio (375-482). Odisseu sai da caverna e conta ao Coro que Polifemo matou dois de seus homens e os devorou, e depois adormeceu graças ao vinho que Odisseu lhe serviu. Ele planeja cegar o ciclope com a ponta incandescente de um tronco de árvore e pede a ajuda dos sátiros, que concordam alegremente com a tarefa. 2º Estásimo (483-518): O Coro e o ciclope cantam na entrada da caverna e Polifemo, acordado e bêbado, pede mais vinho a Odisseu.

miniaturaOdisseu cega o ciclope

3º Episódio (519-607). Odisseu e Sileno conversam com o embriagado Polifemo, e o embebedam ainda mais. O monstro se torna amoroso e arrasta Sileno para o interior da caverna. Interlúdio coral (608-23): o Coro celebra o iminente cegamento do ciclope.

4º Episódio (624-655). Odisseu sai da caverna e chama os sátiros: o monstro dormiu, está tudo pronto, mas eles se acovardam. Interlúdio coral (656-62): enquanto o Coro canta fora da caverna, lá dentro Odisseu e os companheiros cegam o ciclope.

Êxodo (663-709): Polifemo, cego e atrapalhado, sai da caverna, e o Coro ri dele. A uma distâcia segura, Odisseu se identifica e depois deixa a ilha, juntamente com os companheiros, Sileno e os sátiros.

Passagens selecionadas

Manuscritos, edições, traduções

As mais importantes fontes do texto são os manuscritos da segunda família, o Laurentianus 32.2 (c. 1300/1320), da Biblioteca Laurenciana, de Florença, e o Palatinus Vaticanus gr. 287 (c. 1320) da Biblioteca do Vaticano.

Editio princeps: a Aldina, de 1503. Edições modernas isoladas do texto grego: Méridier (1926), Duchemin (1945), Ussher (1978), Biehl (1983), Seaford (1984), O'Sullivan e Collard (2013).

Traduções para o português: Junito S. Brandão (1986), Carmen Leal Soares (2009), Jaa Torrano (2015) e Guilherme de Faria Rodrigues (2016).

Influências e reapresentações

Aristias (fl. -460) escreveu um drama satírico também intitulado Ciclope, do qual resta apenas um fragmento (F 4); o poeta cômico Epicarmo (c. -540/-450), uma comédia também intitulada Ciclope (F 71-2), da qual restam três versos; Cratino (fl. c. -440/-419) abordou essa parte do mito de Odisseu na comédia Odisseu e companheiros (F 143-57); e Cálias apresentou a comédia Os Ciclopes (F 5-12) por volta de -439/-436. Fragmentos dramáticos não identificados (TrGF F adesp. 327-327s) também mencionam um ciclope, mas não sabemos se pertenciam a um drama satírico ou a uma tragédia.

Os poetas dramáticos Epicarmo e Aristias com certeza antecederam Eurípides, mas Cratino e Cálias viveram mais ou menos na mesma época, e o mesmo se pode dizer dos poetas e músicos Timóteo (c. -450/-359) e Filoxeno de Citera (-435/-380), que escreveram ditirambos sobre o mesmo episódio mítico (Timóteo, F 780-3; Filoxeno, F 815-24). Dadas as incertezas na datação do Ciclope euripidiano e o estado fragmentário das outras obras, é difícil dizer quem influenciou quem...

O ciclope, juntamente com Odisseu, seus companheiros e os sátiros foram representados em um vaso de figuras vermelhas de -410 que certamente reflete o drama satírico de Eurípides [Ilum. 1132]. Uma estatueta de terracota, que mostra Polifemo reclinado como um simposiasta de é barriga cheia [Ilum. 1387], representa um ciclope cômico ou satírico, mas provavelmente não se refere especificamente ao drama euripidiano; mas é possível que uma pintura de Timantes (sæc. -IV), na qual pequenos sátiros medem o polegar do adormecido ciclope com um tirso, segundo descrição de Plínio (HN 35.73-4), tenha sido inspirada por Eurípides. Um vaso de cerâmica com pequenas figuras em relevo, encontrado na Capadócia e datado dos sæc. -II/-I, foi aparentemente influenciado pelo drama satírico Ciclope (Chalier, 2008).

Em tempos modernos, o drama foi representado pela primeira vez em 1868, no antigo Odeon de Herodes Ático em Atenas, por um grupo amador; da década seguinte em diante, tem sido regularmente encenado na Europa e em países de língua inglesa.

Adaptações musicais foram apresentadas em 1983 na Universidade de Stanford (Cyclops: Nobody's Musical), com libretto do helenista Rush Rehm, e em 2011, no teatro Son of Semele de Los Angeles (Cyclops: a Rock Opera). No Brasil, uma adaptação musical para teatro de rua, Cíclopes, foi apresentada em 2007 no Rio de Janeiro, sob a direção de Ligia Veiga.