Eurípides / Fenícias

Φοίνισσαι Phoenissae Eur. Phoen. -411/ -407
〈ἐδιδάχθη〉 ἐπὶ †Ναυσικράτους† ἄρχοντος 〈                 〉 δεύτερος Εὐριπίδης 〈                 〉 †καθῆκε διδασκαλίαν περὶ τούτου. καὶ γάρ παῦτα† ὁ Οἰνόμαος καὶ Χρύσιππος καὶ 〈                 οὐ〉 σῴζεται.

〈foi representada〉 no arcontado de †Nausícrates† 〈             〉 Eurípides em segundo 〈             〉 isso está no registro. E também† Enômao, Crisipo e 〈             não〉 sobreviveu.

O duelo entre Etéocles e PolinicesO duelo entre Etéocles e Polinices

Fenícias (gr. Φοίνισσαι), com seus 1766 versos, é a mais longa das tragédias completas de Eurípides e deve ser sido representada pela primeira vez nas Dionísias Urbanas, entre -411 e -407. De acordo com a reconstrução de hipótese fragmentária atribuída a Aristófanes de Bizâncio (Arg. E. Ph. 4-7, supra), o poeta ganhou o segundo prêmio e Fenícias foi representanda juntamente com duas tragédias hoje incompletas, Enômao e Crisipo, e com um drama satírico cujo título não sobreviveu.

O enredo segue, basicamente, um episódio do mito dos sete heróis contra Tebas, do Ciclo Tebano, mas com inovações imaginadas por Eurípides.

Bacantes e Fenícias são as únicas tragédias euripidianas inspiradas no Ciclo Tebano que chegaram até nós. As outras, todas fragmentárias, são Édipo, Antígona, Hipsípile, Cadmo, Antíope e Crisipo. Ressalte-se, no entanto, que Crisipo e Hipsípile tocam alguns dos mitos tebanos de modo tangencial.

Hipótese

Etéocles, rei de Tebas, recusa-se a entregar o cetro ao irmão Polinices, conforme o combinado, e Polinices se prepara para atacar Tebas à frente de um exército argivo. Jocasta consegue fazer os irmãos conversarem, mas em vão. Tirésias prediz que Tebas vencerá somente se Meneceu, filho de Creonte, se sacrificar, e o jovem se mata à revelia do pai. Os tebanos vencem, mas Etéocles e Policinices morrem um nas mãos do outro e Jocasta se suicida. Creonte, agora rei de Tebas, expulsa Édipo e recusa-se a sepultar Polinices. Antígona acompanha o pai.

Dramatis personae

Jocasta viúva de Laio, mãe e esposa de Édipo, mãe de Etéocles, Polinices e Antígona Antígona filha de Édipo e Jocasta, irmã de Etéocles e Polinices Pedagogo servo de Jocasta, preceptor de Antígona Coro jovens fenícias a caminho do templo de Apolo em Delfos Polinices filho de Édipo e Jocasta, irmão de Etéocles e Antígona Etéocles filho de Édipo e Jocasta, irmão de Polinices e Antígona Creonte irmão de Jocasta Tirésias adivinho tebano Meneceu filho de Creonte Édipo filho de Laio e Jocasta, marido de Jocasta, ex-rei de Tebas

E ainda: Primeiro Mensageiro, Segundo Mensageiro e a filha de Tirésias (figurante)[1].

Mise en scène

A cena se passa diante do palácio de Tebas, Beócia; no prólogo, o Pedagogo e Antígona conversavam em cima da skené, que representava o teto do palácio.

Quanto à distribuição dos papéis, há duas possibilidades. Na primeira, o protagonista fazia o papel de Jocasta, de Antígona (menos 1780-82) e de Meneceu; o deuteragonista, o de Etéocles, de Tirésias, dos dois Mensageiros e de Édipo; o tritagonista, o do Pedagogo, de Polinices, de Creonte de Antígona (1270-82). Na segunda, Jocasta, Antígona e Meneceu foram representados pelo protagonista; Etéocles, Tirésias, Segundo Mensageiro e Édipo, pelo deuteragonista; e o Pedagogo, Polinices, Creonte e Primeiro Mensageiro, pelo tritagonista.

Resumo

A tragédia contém 1766 versos e ocupa cerca de 50 páginas da edição de Craik (1988), na qual se baseia este resumo.

O prólogo (1-201) se divide em duas partes. A primeira (1-87) é um monólogo de Jocasta, que conta à audiência o mito de Édipo e descreve a situação atual; a segunda (88-201), conhecida por teicoscopia[2], é um diálogo lírico entre a jovem Antígone e seu idoso preceptor a respeito dos sete contingentes de guerreiros argivos acampados fora de Tebas. Os sete líderes são sumariamente descritos. No párodo (202-60), o Coro destaca a ascendência comum a fenícios e tebanos.

1º episódio (261-637): Polinices entra sozinho em Tebas, revela ao Coro que veio se encontrar com Jocasta e Etéocles, sob trégua. Mãe e filho se reencontram e Jocasta diz que Édipo ainda vive; Etéocles entra e os dois irmãos trocam palavras ásperas que reafirmam a intransigente posição de cada um. Polinices foi injustamente tratado por Etéocles, que não cumpriu o combinado; para Etéocles, o poder, uma vez adquirido, deve ser mantido a qualquer custo, e aponta que o irmão trouxe um exército estrangeiro para atacar Tebas, sua cidade natal. 1º estásimo (638-89): o Coro rememora Cadmo, sua ascendência e a fundação de Tebas.

2º episódio (690-783): Etéocles e seu tio, Creonte, discutem estratégias para a batalha; antes de sair e se juntar ao exército, Etéocles deixa instruções. 2º estásimo (784-833): o Coro lamenta a funesta influência de Ares e evoca o Monte Citéron, local de vários eventos que precederam a guerra.

3º episódio (834-1018): Tirésias, a pedido de Etéocles e diante do horrorizado Creonte, vaticina que Tebas só vencerá se o jovem Meneceu, filho de Creonte, for sacrificado. Creonte insta o filho a fugir de Tebas e sai de cena, mas o jovem Meneceu anuncia que vai se sacrificar pela cidade, a despeito dos desejos do pai. 3º estásimo (1019-66): O Coro rememora a Esfinge, os feitos de Édipo e lamenta as ominosas consequências para Tebas.

4º episódio (1067-283): um Mensageiro revela que os tebanos conseguiram bloquear o avanço dos argivos, menciona a morte de Meneceu, descreve as lutas diante das portas de Tebas e anuncia um combate singular entre Etéocles e Polinices. Jocasta chama Antígone e lhe dá as notícias. 4º estásimo (1284-306): O Coro lamenta a luta entre o dois irmãos e a proximidade da morte.

Êxodo (1307-766): Creonte entra com o corpo de Meneceu e o Coro lhe conta que Jocasta foi até o local do combate. Outro Mensageiro entra, descreve a luta na qual Etéocles e Polinicies morreram e o suicídio de Jocasta sobre seus corpos. Antígona e Édipo entram, e Antígona dá as más notícias ao pai; Creonte, invocando as instruções de Etéocles, anuncia o casamento de Antígona com seu filho Hemon, desterra Édipo e diz que Etéocles merece honras fúnebres, mas o corpo de Polinices permanecerá insepulto. Antígona recusa o casamento e acompanhada o pai no exílio.

Passagens selecionadas

Manuscritos, edições e traduções

Juntamente com Orestes e Hécuba, Fenícias compunha a “tríade bizantina” de tragédias euripidianas selecionadas para estudo nas escolas. Sua popularidade na Antiguidade se reflete na enorme quantidade de manuscritos disponíveis (cerca de 115), ricos em escólios (nem todos de boa qualidade), e na enorme quantidade de papiros com passagens da tragédia que chegaram até nós.

Os mais antigos manuscritos são o Hierosolymitanus 36 (sæc. X/XI), Jerusalém, Patriarchike Bibliotheke; o Marcianus gr. 471 (sæc. XI), Veneza, Biblioteca Nazionale Marciana; e o Parisinus gr. 2713 (sæc. X/XI), Paris, Bibliothèque Nationale. Dentre os papiros, o mais antigo é o P. Strasb. WG 307 (sæc. -III), da Bibliothèque Nationale et Universitaire de Strasbourg. Os estudiosos acreditam que todos têm muitas interpolações ao texto original.

miniaturaTrecho do texto grego

A editio princeps é a Aldina (Veneza, 1503). Principais edições modernas da tragédia isolada: Powell (1911), Méridier e Chapouthier (1950), Mastronarde (1988 e 1994).

Traduções para o português: Cândido Lusitano (talvez 1748/1773, ainda inédita), Alves (1975), Schüler (2005), Salvador (2010), Sousa Jr. (2015) e Torrano (2016).

Influências e reapresentações

Na Antiguidade, Frínico, Ésquilo e Sófocles criaram tragédias baseadas nessa mesma parte do Ciclo Tebano. As de Frínico (F 8-12), também intitulada Fenícias (-476), e a de Ésquilo, intitulada Sete contra Tebas (-467), certamente influenciaram Eurípides; de Sófocles temos a tragédia Édipo em Colono, mas não sabemos se foi representada antes ou depois da tragédia de Eurípides. Aristófanes e seu colega e contemporâneo Estratis parodiaram Eurípides em suas comédias intituladas Fenícias, e é muito provável que a tragédia euripidiana influenciou os romanos Névio (c. -270/-201), Ácio (-170/-86) e Sêneca, o Jovem (-4/65), que criaram tragédias com esse título. A versão de Eurípides está igualmente presente no épico latino Tebaida, de Estácio, escrito em 80/92. As tragédias de Ésquilo e de Sófocles chegaram até nós, assim como a Tebaida e 644 versos da tragédia de Sêneca, datada de 62/65; das outras obras, praticamente nada sobreviveu.

Em 1549, Fenícias foi adaptada na Giocasta (1549), de Ludovico Dolce, provavelmente a partir da versão latina de Winter (1541)[3] e, em 1601, na comédia Gli duoi fratelli rivali, de Giambattista Della Porta. Em 1636/1637, ela influenciou a Antigone, de Jean de Routrou; em 1664, inspirou La Thébaïde ou les Frères Ennemis: Étéocle et Polynice, de Racine; em 1775 inspirou o drama Polinice, de Vittorio Alfieri e, em 1903, o drama Les Phéniciennes, de Georges Rivollet. Em 1712, possivelmente, o libretista Agostino Piovene traduziu e adaptou a tragédia para apresentação musical em Veneza, mas não sabemos se ela efetivamente ocorreu (Ketterer, 2010).

Há diversas representações artísticas do combate entre Etéocles e Polinices da Antiguidade à Renascença, mas é difícil dizer se foram inspiradas pelo mito propriamente dito ou pela versão trágica de Eurípides. Uma cena de vaso conservado no Museu Nacional do Rio de Janeiro [Ilum. 1238] evoca, no entanto, um dos episódios do mito de acordo com a versão de Eurípides.

Várias adaptações do texto de Eurípides têm sido apresentadas nos palcos teatrais desde meados do século XVI. A primeira representação moderna da peça, com o título Jocasta, ocorreu no natal de 1566, no Hall do Gray's Inn de Londres. O texto inglês de George Gascoigne, Francis Kinwelmersh e Christopher Yelverton se baseou, no entanto, na Giocasta de Ludovico Dolce. Essa foi também a primeira tragédia grega representada na Grã-Bretanha, sob a direção de George Gascoigne.

No Brasil, a tragédia foi apresentada em São Paulo no Teatro Oficina, em 2002, sob a direção de Caco Coelho.